sexta-feira, março 08, 2013

Sob o Signo do Amuanço

Grupo Desportivo de Chaves: Unidos. Determinados. Amuados.
Esta poderia ser a tagline da época 1994/1995 para lá do Marão.


imagem gentilmente gamada de gloriasdopassado.blogspot.com
J'aime Cerqueira e a sua crew de renegados, com o rebelde Zito à cabeça, demonstram claramente pouca vontade de posar defronte à invasiva lente ao soldo do diário "A Bola".
"Fuck mainstream magazines, man", afirmava Zito com desdém enquanto sacudia a incomodativa melena grunge defronte do olho direito."Fuck the pic, dudes. Let's show them that GD Chaves is no fuckin' sellout."
Porém, um Carvalhal na fase decadente de tão ilustre carreira discordava veementemente com o angolano, pois já piscava o olho ao "establishment" tendo em vista um futuro lugar como Mijter:
- "Parem de se comportar como crianças. Temos responsabilidades para com os simpáticos leitores do periódico desportivo."
"You sold out, man!", contestava um enérgico Edinho de lágrima ao canto do olho. "You used to be cool.", murmurava desapontado de terço ao (liliputiano) pescoço. Amarildo confortava o avançado oferecendo-lhe um ombro amigo para chorar.
"Calma pequenino, tudo vai correr bem..." sussurrava o defesa no calor humano de um abraço fraterno.
- "Fuckin' suits, man! Fuckin' suits!", berrava um agastado Lino em defesa de Edinho, atirando uma rodela de chouriço ao bigode de Manuel Correia, perante o choque do balneário.
Correia, fazendo gala da sua característica fleuma britânica, não reagiu, limitando-se a sacudir o impecável moustache e a penteá-lo cuidadosamente com o pequeno pente que trazia sempre guardado na meia direita.
Nesta fase, a equipa já se encontrava claramente dividida, com a facção anti-establishment composta por Edinho, Zito, Lino, Amarildo e Cerqueira a ocupar o lado esquerdo do balneário.
Zito, Edinho e J'aime : "success sucks."
Manuel Correia, Palexandre, Agostinho e Carvalhal defendiam o forte do lado oposto.
Toniño, por outro lado, encontrava-se momentaneamente nas latrinas: "Hablem baixo qué estoy cagando!", sugeria suavemente o espanhol com costumeira classe. O centro-campista sofria frequentemente de desarranjo intestinal nos momentos que antecediam o franzir de sobrolho para as fotos de plantel de início de época.
O luso-parisiense Agostinho, fã número um de Dino Meira, encontrava-se agastado. "Nous avons que resolver cette situação, dommage.", "Je tiens que tirer la foto para mostrar a minha familie à Paris de France que estou realment jogando ballon au Portugal."
"You're fucked up, man! All that thirst for fame, man. You disgust me.", murmurava um decepcionado Zito. "Fuckin' fame, man...faggots."
Nisto, voa uma desprezível beata na direcção das chuteiras de Carvalhal, cortesia de J'aime Cerqueira: "This used to be about the music, man. All about the music..."
Sentindo-se desrespeitado, Carvalhal ensaia um potente banano à bela face de Cerqueira. Os ânimos inflamam-se e os jogadores envolvem-se numa salada russa de bordoadas, sopapos, milhos e bofetões  tudo bem regado com azeite q.b.
O caos desenrola-se perante o olhar horrorizado do senhor velhote anafado de t-shirt branca, roupeiro do GD Chaves desde a primeira Revolução Industrial:
- "E as crianças!! Alguém pense nas crianças!!"
Caos.
Bigode do Manuel Correia.
Revolta.
Desordem.
Chouriço.
Choro.
Desespero.
Resignação.
A poeira assenta. O mórbido silencio pós-batalha é apenas quebrado por tímidos gemidos de dor. A carnificina é total, corpos jazem quentes e mal tratados no frio chão do balneário.
J'aime Cerqueira leva a mão à monocelha, como se estivesse a certificar-se de que tudo está bem no Mundo.
A "cerquelha" ainda estava viva e de saúde. Longa vida à "cerquelha".
Agostinho ergue-se lentamente, sacudindo o equipamento e beijando o galhardete de "Le Portugal" que traz sempre na cueca, não vá ele marcar um golo e ter a oportunidade de mostrá-lo ao mundo.
Palexandre ajuda Manuel Correia a levantar-se, desempoeirando-lhe o bigode.
Edinho, Amarildo e Lino demonstram invejável entreajuda, amparando-se mutuamente.
yes they do, Zito. yes they do.
Zito, esse, mantém-se sentado no chão do balneário, cabisbaixo. Vai abanando lentamente a cabeça enquanto acende um reflectivo charro com o sempre fiel isqueiro ofertado pelas Tintas Europa.
- "What happened to us, man? we used to be like brothers..."
Subitamente, um estrondo ecoa pelo espaço  É Toniño, fechando vigorosamente a porta da latrina. Parece aliviado e traz um sorriso nos lábios, quando se depara com o triste cenário de carnificina fratricida.
"Ostia, Tios! Qué pasó? Bamos embuera, ahora qué já liberté la tripa, ya podemos ir tirar la fueto, carajo!"
Zito levanta lentamente a cabeça e olha de esguelha para os seus comparsas, procurando um fugaz sinal de anuência.
O choroso senhor velhote de t-shirt branca, sentindo que está perante um momento crucial da trama, implora esperançado:
- "E as crianças!! Alguém pense nas crianças!!"
Lino, coçando a sua carapinha arruivada, toma também consciência da importância do momento:
- "Fuck it man, let's do it.", diz entre-dentes enquanto cospe subtilmente para o chão o palito que tinha na boca.
Amarildo partilha o mesmo sentimento, olhos-nos-olhos com Zito, ajudando-o a levantar-se. Palmadinha nas costas.
- "Bora, caralho. que sa f****."
Abraçados, os contestatários aproximam-se solenemente de Manuel Correia e seus sequazes:
- "Fuck it. One last dance...for old times' sake. But corporate magazines still suck."
Com o sol matinal a acariciar suavemente os moídos rostos, os flavienses dirigem-se pesarosos para o túnel de acesso ao tapete verde. Dead men walking, juntos pela ultima vez.
Infelizmente, o ambiente já não era o melhor. Claramente contrariados, os jogadores cruzam os braços e rangem os dentes.
Os jogadores, esses, sabiam que nada voltaria a ser como dantes. Os dias de treinos em prados floridos, carregados de beijinhos, algodão doce, compotas caseiras e afagamento dos caracóis do Edinho já era coisa do passado.
Para a posteridade fica a primeira foto de plantel da História do Futebol sob o signo do amuanço.
Semblantes carregados, braços cruzados. Olhares vagos e bigodes tristes.
Desprezo pela lente e pelos leitores.
À esquerda, o inocente sorriso de um anónimo adjunto disfarçado de palhaço (na verdade, é apenas o hediondo equipamento de treino da turma transmontana) é um falso oásis de esperança no meio de um deserto árido e deprimente.
"já conheci melhores dias."
No canto inferior direito, o senhor velhote anafado de t-shirt branca chora copiosamente, contemplando suicídio.
As crianças, alguém pensou nas crianças???

2 comentários:

Rodrigues disse...

Dude, ya fuckin rock! This is fuckin awesome, goddammit! It really smells like flaviens fuckin spirit!

Vicente disse...

Priceless!!! Excelente texto. Melhor que o presunto de Chaves.

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